20/09/2009

Lá estava eu…



Uma bela e majestosa árvore, com minha folhagem protuberante, tronco rígido e raízes bem fincadas a terra…
De onde estava acompanhava todos os dias a vida acontecer, mesmo que não pudesse fazer muita coisa para participar da mesma…
Se precisava de alimento, dependia que chovesse onde eu estava ou que algum estranho se compadecesse de minha fome, e me desse água.
Estava presa, totalmente dependente, expectadora da vida e de seu curso.
Sentia-me triste, pois sentia o vento em minha copa, mas não me podia deixar levar por ele…
Via por vezes o por do sol, mas jamais conseguiria ir ao seu encontro…
Olhava as crianças que corriam e se agarravam a minha volta… Ah e como eu gostaria de poder brincar com elas, mas eu era só uma árvore, o que poderia eu fazer se as raízes ali me prendiam?
Nada… Absolutamente nada… Tinha que observar e contentar-me com esse papel…
E quantas vezes então fui ferida, arrancaram-me as folhas, os galhos foram quebrados, meu tronco foi dilacerado? E eu ali, passiva, esperando os dias passaram e cada vez mais triste por ter nascido uma árvore… Isso não é destino para ninguém…
E um dia como todos os outros que eu vivia, vi uma bela ave, um pássaro lindo, e ele planava e brincava com seu corpo, deixando-se levar pelas correntes de ar, mergulhando no lago próximo dali, voando muito alto, e por diversas vezes, dava rasantes bem rentes ao chão para ver até onde conseguia ir…
Uma coisa mudou em meu coração a partir dali… Como eu gostaria de ser um pássaro… Ir onde desejasse, não ter limites e experimentar aquilo que quisesse, sem depender de ninguém mais, jamais…
E esse pássaro passou a ser uma visita constante…
Todos os dias, lá estava ele… Voava, brincava, se alimentava e ia embora… Feliz, com certeza…
Observar esse pássaro todos os dias era a única coisa que me trazia algo parecido com alegria, pois por alguns momentos me imaginava como ele, e sentia o gostinho da liberdade que tanto almejei.
Percebendo minha a minha dor, um dia ele decidiu aproximar-se…
Chegou junto a mim, e perguntou-me por que estava tão triste… Ele havia notado que eu só ganhava um pouco de luz quando o via voando e isso o deixou curioso…
Eu lhe contei a minha história, contei-lhe da minha infelicidade em ser uma árvore que esse destino me fazia muito triste e que queria muito ser como ele, poder voar, sem destino, sem nada que me prendesse, sem depender de ninguém pra isso. Queria ser livre, fazer minhas próprias escolhas, trilhar meu próprio caminho…
Nunca fui uma árvore muito feliz. Olhava todas as árvores ao meu redor, conformadas e pseudo-felizes com sua condição… Se achavam o máximo, fortes, imponentes… Achavam que todos dependiam delas, quando na verdade, sempre foi o oposto…
Desdenhavam daqueles que não tinham raízes… Chamavam essas pessoas de sem rumo, perdidas, quando na verdade isso se chama ser livre.
O pássaro ouviu todos os meus lamentos e lamúrias, atento a cada detalhe daquilo que meu coração agora dividia com ele…
Percebi que ele riu, a principio achei que se estava a divertir com a minha situação, mas seu riso era de complacência e não ironia…
Ele me disse então que na verdade eu não havia nascido uma árvore. E que eu já não me lembrava de meu passado (outra desvantagem em ser uma árvore, você esquece de muita coisa…).
Ele me contou que na verdade todos nasciam como pássaros… E que hora ou outra da vida, muitos pássaros acabavam sucumbindo a opiniões alheias, ficavam dependentes, perdiam a vontade de voar e explorar, se apegavam a coisas, pessoas e lugares e quando menos esperavam, suas raízes apareciam, se fincavam ao chão e ele se tornava uma árvore, se esquecendo completamente do tempo em que era um pássaro e era livre.
Não podia acreditar nos meus ouvidos… Então todo esse sofrimento, essa dependência, essa vida limitada e mixuruca que eu vivo foi escolha minha? Nossa, como pude permitir-me ser dominada, submetida à vontade alheia dessa forma? Como pude apegar-me tanto à necessidade de agradar aos outros a ponto de perder a mim mesma?
E então eu chorei… Chorei como nunca havia chorado antes… Me arrependi amargamente do destino que eu mesma impus para minha vida, me arrependi de tudo o que não tinha vivido por medo, apego e submissão…
A linda ave se aproximou, enxugou as minhas lágrimas e com seu bico começou a cortar minhas raízes… Nossa, isso doía muito, pedi que parasse, mas ele disse que sabia o que estava fazendo…
Confiei, agüentei tudo ali… Quando ele conseguiu cortar a última raiz que me prendia a terra, algo mágico aconteceu…
Já não tinha mais uma folhagem, mas eu tinha asas… Já não era mais uma árvore, tinha voltado a ser um pássaro…
Meu coração disparou, chorei de felicidade…
Eu era livre novamente… Livre para voar pra onde meu coração desejasse, livre para fazer minhas escolhas, para ser feliz… Livre…
Agradeci ao pássaro que me salvara… Você mudou minha vida, eu disse…
E ele me disse que não… Na verdade ele sempre esteve ali, mas ninguém nunca havia notado antes de mim, pois estavam todas muito condicionadas as vidas limitadas que escolheram…
Disse que eu estava livre pois meu coração assim o desejou e eu passei a nota-lo nos seus vôos diários, e tudo o que fez foi atender o pedido que meu coração fazia… Queria ser livre e agora era…
Estava de volta ao início, livre como vim ao mundo antes de permitir-me ser aprisionada pelos meus próprios medos, dependências e submissão…
Sinto o vento agora sob minhas asas e me deixo levar… A felicidade que a liberdade me trouxe me deu um novo ânimo, soprou vida nova em mim…
Eu que nasci pássaro, me tornei árvore, e me libertei novamente…
Vôo para me encontrar com o por do sol…
Vôo em direção ao infinito.
Sem destino.
Sou livre, o amor é meu caminho.


Por RebelHeartBR

4 comentários:

  1. Muito bonito e com um sentido profundo de nós próprios, das limitações que nos impomos. Adorei o texto!

    Bjs

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  2. Texto maravilhoso, deveriamos reflectir todos sobre ele, lindo e verdadeiro amiga.

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  3. Obrigada mana e Maria, tambem adorei este texto, tem muito que se lhe diga... é lindo!!!
    Bjo e obrigada pelos comentários

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  4. Nada mais a acrescentar, foi tudo dito!
    Parabens mais uma vez pelo excelente texto exposto.

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